quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008


A Loja de Deus
Entrei e vi um Anjo no balcão.

Maravilhado lhe disse:
Santo Anjo do Senhor, o que vendes?

Respondeu-me:
- Todos os dons de Deus.

- Custa muito?
Não. Tudo é de graça.

Contemplei a loja e vi: jarros e
vidros de fé, pacotes de esperança,
Caixinhas de salvação e sabedoria.

Tomei coragem e pedi:
- Por favor, quero muito amor de Deus,
todo perdão Dele, vidro de fé, bastante
felicidade e salvação eterna para mim e
para minha família.

Então o Anjo do Senhor preparou um pequeno
embrulho que cabia na minha mão.
- É possível tudo aqui?

O Anjo respondeu-me sorrindo:
- Meu querido irmão, na loja de Deus não
vendemos frutos, apenas sementes.



domingo, 17 de fevereiro de 2008

LENDAS DE ASSOMBRAÇÕES

O nosso folclore é muito rico na diversidade de lendas de assombrações e de seres híbridos mitológicos adaptados à cada região.

Efetivamente não podemos negar ou afirmar que existam, mas inúmeros casos já foram relatados por pessoas que merecem todo o nosso respeito por sua integridade moral.

As lendas que transcrevo não são para assustar, mas foram realidades no imaginário popular de nossos ancestrais e ainda hoje, tais mitos ou aparições são temidos justamente porque ainda não foram explicados. Portanto, para compreendermos esse fabuloso e misterioso mundo de lendas de assombrações é necessário lê-las com os olhos do espírito, pois somente assim poderemos desvendar as mensagens míticas ou morais encerradas sob véu das palavras ingênuas de um povo simples.

O segredo desses mistérios só será revelado àqueles que compreendem que as "portas do infinito" são abertas pela via do coração e da intuição.



A MULA-SEM-CABEÇA

A Mula-sem-cabeça é uma antiga lenda dos povos da Península Ibérica, que foi trazida para a América pelos espanhóis e portugueses. Esta história também faz parte do folclore mexicano (conhecida como "Malora") e argentino (com o nome de Mula Anima). Pressupõem-se que este mito tenha nascido no século doze, época em que as mulas serviam de transporte para os padres.

No Brasil, a lenda disseminou-se por toda a região canavieira do Nordeste e em todo o interior do Sudeste. A Mula-sem-cabeça, representa uma espécie de lobisomem feminino, que assombra povoados onde existam casas rodeando uma igreja.

Segundo esta lenda, toda a mulher que mantivesse estreitas ligações amorosas com um padre, em castigo ao seu pecado (aos costumes e princípios da Igreja Católica), tornar-se-ia uma Mula-sem-cabeça. Esta história tem cunho moral religioso, ou seja, é uma repreensão sutil ao envolvimento amoroso com sacerdotes e também com compadres. Os compadres, eram tidos como pessoas da família, e qualquer tipo de relação mantida entre eles, era considerada incestuosa.

A metamorfose ocorreria na noite de quinta para sexta-feira, quando a mulher, em corpo de mula-sem-cabeça, corre veloz e desenfreadamente até o terceiro cantar do galo, quando, encontrando-se exaurida e, algumas vezes ferida, retorna a sua normalidade. Homens ou animais que ficarem em seu trajeto seriam despedaçados pelas violentas patas. Ao visualizar a Mula-sem-cabeça, deve-se deitar de bruços no chão e esconde-se "unhas e dentes" para não ser atacado.

Dizem também, que se alguém passar correndo diante de uma cruz à meia-noite, ela aparece.

A mula-sem-cabeça também é conhecida como a burrinha-do-padre, ou simplesmente burrinha.

A Mula-sem-cabeça, possuiria as seguintes características:

1. Apresenta a cor marrom ou preta.
2. Desprovida de cabeça e em seu lugar apenas fogo.
3. Seus cascos ou ferraduras podem ser de aço ou prata.
4. Seu relincho é muito alto que pode ser ouvido por muitos metros, e é comum a ouvir soluçar como um ser humano.
5. Ela costuma aparecer na madrugada de quinta/sexta, principalmente se for noite de Lua Cheia.
6. Segundo relatos,felizmente existem maneiras de acabar com o encantamento que fez a mulher virar Mula-Sem-Cabeça, uma delas consiste em uma pessoa arrancar o cabresto que ela possui, outra forma é furá-la, com algum objeto pontiagudo tirando sangue (como um alfinete virgem).
Outra maneira de evitar o encantamento é de que o amante (padre) a amaldiçoe sete vezes antes de celebrar a missa.

Para se descobrir se a mulher é amante do padre, lança-se ao fogo um ovo enrolado em linha com o nome dela e reza-se por três vezes a seguinte oração:

"A mulher do padre

Não ouve missa

Nem atrás dela.

Há quem fique ...

Como isso é verdade,

assa o ovo

e a linha fica..."

SIMBOLISMO

A Mula-sem-cabeça é oriunda do lado sombrio do inconsciente coletivo, seria talvez, o próprio arquetípico das criaturas que povoam as florestas, representando as camadas profundas do inconsciente e do instinto. Assim como o lobo, a mula-sem-cabeça aqui, nos induz ao desencadeamento dos instintos selvagens. Sob a influência do moralismo judaico-cristão, esta tendência se ampliou e levou ao horror da caça às bruxas e da Inquisição. Os relatórios dos "processos" de feitiçaria contêm obras-primas de animalidade mais crassa.

O animal representado nesta lenda, nos faz alusão então, uma valorização negativa, o conjunto de forças profundas que animam o ser humano e, em primeiro lugar, o libido (tomado em sua significação sexual), que desde a Idade Média se identifica principalmente com o cavalo, ou em nosso caso, com a mula.

O animal já aparece não portando a cabeça, tal fenômeno, pode ser entendido em sentido metafórico como ausência de razão e da própria consciência, predomínio, portanto, das paixões, dos impulsos sexuais de imediato atendidos, do domínio do inconsciente pessoal e coletivo.

A Mula-sem-cabeça é uma mulher amaldiçoada, pecaminosa, que teve o atrevimento de desejar o santo padre, representante de Deus e Cristo na terra. Este relato nos faz repensar no quanto os homens da Igreja, daquela época (Idade Média) tinham medo do poder feminino de sedução. Tais medos, os levaram a atitudes de desespero, que os fizeram a abster-se de qualquer contato com o sexo oposto, além de fantasiarem e criarem assombrações para incutir maior receio.

O que fica de lição desta lenda é que todos nós devemos nos integrar com nossos instintos. "O animal, que no homem é sua psique instintual, pode tornar-se perigoso quando não é conhecido e integrado à vida do indivíduo. A aceitação da alma animal é a condição para a unificação do indivíduo e para a plenitude de seu desabrochar."

Cada animal, simbolicamente faz eco à natureza profunda do ser humano.

MATINTAPERERA, A FEITICEIRA AMAZÔNICA

Waldemar Henrique ilustrou musicalmente os versos em que o poeta Antônio Tavernard nos conta a ingênua lenda:

"Matintaperera

Chegou na clareira

E logo silvou,

No fundo do quarto,

Manduca Torcato

De medo gelou

Matinta quer fumo

quer fumo migado,

meloso, melado,

que dê muito sumo...

Torcato não pita,

não masca nem cheira.

Matintaperera

vai tê-la bonita...

Matintaperera, detardinha vem buscar

o tabaco que ontem à noite eu prometi,

queira Deus ela não venha me agoniar,

Ah! Matinta, preta velha, mãe-maluca, pé de pato.

queira Deus ela não venha me agoirar......

Matintaperera

chegou na clareira

e logo silvou.

No fundo do quarto

Manduca Torcato

de medo gelou.

Que noite infernal,

soaram gemidos,

resmungos, bulidos,

do gênio do mal....

E, até amanhã,

bem perto da choça

a fúnebre troça

dum vesgo acauã

acauã....

acauã...."

Existem pessoas para quem a noite se revela como um cenário de mistérios singulares e ideal para por em prática seus pensamentos. A noite é trocada pelo dia, com todo o fascínio e o terror que pode provocar.

Neste cenário noturno aparece Matintaperera.

Matintaperera é a designação dada a uma pequena coruja, que goza, entre os nativos, da faculdade de transformar-se em gente e pintar o sete, brincando, ralhando, castigando os meninos vadios e mal-criados. Pertencente a família dos gnomos e duendes, rouba objetos das casas ou os muda de posição e bate nas crianças.

No interior e até mesmo na capital do Amazonas e Pará, a gurizada acredita que a ave ronda as casas na calada da noite, afim de roubar os meninos travessos ou fazer estripolias. Oferece-se-lhe então, grande quantidade de tabaco, convidando-a a aceitá-lo:

- Matintaperera, podes vir buscar a encomendazinha.

Mau destino está reservado à pessoa que, pela manhã seguinte é a primeira a entrar na casa em que se faz semelhante convite. Fica encaiporada para o resto da vida, é como se virasse Matinta. Em toda a Amazônia é tida como encarnação de alma penada ou metamorfose de velha malvada a exigir tabaco para o seu cachimbo.

Só pode ser vista, entretanto, por quem cobrir as mãos com um pano preto, pois as unhas humanas são como fogo para ela. Quem quiser vê-la sem ficar assombrado, deve se aproximar da casa onde esta mora, recitar uma oração e dar uma volta na chave. Na manhã seguinte é encontrada sentada à porta, com forma humana.

Existe uma maldição lançada por um pajé da tribo dos Waimiri Atroari. Depois que sua tribo ter sido dizimada pelos brancos, ainda moribundo, o pajé anunciou que todos os que haviam participado do massacre do seu povo, estariam fadados a perambular eternamente pela floresta sob a forma de uma velha ou um pássaro que todas as noites gritava:

Matintaperera, Matintaperera!

Nas noites de sexta-feira é maior o temor que inspira.

Fala-se que a tal criatura chegou a matar vários seres humanos.

A Matintaperera pode transformar-se em vários animais como porcos, morcegos e aves e é vista como uma perigosa feiticeira. Segundo a voz do povo, é uma bruxa velha que quando moça cometeu grandes pecados e por isso fica cumprindo o seu fadário. Os fadista são tidos como pessoas que fizeram pacto com o demônio em troca de algum tipo de vantagem e acabaram punidos com um fado como o de se transformarem em animais, durante a noite.

Uma outra versão, nos conta que Matinta é uma velha vestida com uma longa saia negra, que vira carambolas com uma lamparina acesa na cabeça. A chama dessa lamparina se mantém acesa até a velha se transforme em duende. Assombra as pessoas, dando-lhes violentas dores de cabeça ou em todo o corpo. Quando ela está rondando a casa, quem quiser prendê-la, deve espetar uma agulha virgem em um cinto de couro e proferir pequenas orações. A Matinta se prende por ela mesma.

Há outras fórmulas mágicas que permitem "prender" a Matinta Perera. Um deles exige uma tesoura virgem, uma chave e um terço. Cerca de meia noite deve-se abrir a tesoura, enterrar na área, colocar no meio a chave e por cima o terço, após o que rezam-se orações especiais.

A Matintaperera ficará presa ao local, não conseguindo afastar-se...

Uma forma de espantar a entidade é a de tirar o capuz ou barrete encantado do Matintaperera.

Os tupinambás atribuíam a função de mensageiro das coisas da outra vida, aquele que vinha dar notícias dos parentes mortos e davam-lhe, por isso, o nome de Matintaperera. Porém, passou posteriormente aos direitos de certos pajés e feiticeiros transformarem-se em Matinta e, pela madrugada retornar à forma anterior.

Todas estas crendices foram herdadas das superstições indígenas e chegaram até nós pelo veículo dos pajés e curandeiros, interessados em arranjar sempre maior número de motivos para suas artes misteriosas.

Matintaperera associa-se à face da Deusa-Anciã.

OS PÁSSAROS DA NOITE

No mundo inteiro, os pássaros da noite foram associados à almas penadas e fantasmas que aproveitando-se das sombras noturnas voltam para gemer perto das casas onde moraram.

A coruja, em especial, era considerada um pássaro de mau-agouro e seu repetitivo grito pressagiava morte vindoura na vizinhança. No Altaí, o traje xamã (sempre ornitomorfo) é freqüentemente ornado com penas de grão-duque. Segundo Harva, o conjunto do traje, como era antigamente, devia representar um grão-duque. Esse pássaro noturno, na crença popular do Altaí, afasta os espíritos.

Uno Harva escreve:

"Em muitos lugares, quando as crianças estão doentes, é costume ainda hoje, capturar um grão-duque e dar-lhe comida, pensando-se que esse pássaro afastará os maus espíritos que assediam os berços. Entre os iogulos, nas festas do urso, uma pessoa disfarçada de grão-duque é encarregada de manter a distância a alma do urso morto".

Entre os astecas, a coruja era, como a aranha, o animal símbolo do deus dos Infernos. Vários códices representam-na como "guardiã da casa escura da terra". Associada às forças ctônicas, é também um avatar da noite, da chuva e das tempestades. É associada ainda à morte e às "forças do inconsciente luni-terrestre que comandas as águas, a vegetação e o crescimento em geral."

Ainda hoje, para as etnias indo-americanas, a coruja é uma divindade da morte e guardiã dos cemitérios.

LOBISOMEM

A história de homens que se transformam em lobos é muito antiga. Na Grécia Antiga, o mito do homem-lobo, proveniente de épocas pré-históricas, se ligou a religião do Olimpo. Conta-se que Licaon, rei de Arcádia, filho de Pelagro, primeiro soberano da região, tentou matar Zeus, seu hóspede de uma noite. O Deus castigou-o dando-lhe a forma vulpina. Nenhum erudito conseguiu explicar a fábula. Nem mesmo esta se reduz a uma só versão. Em outras lendas Licaon fez um sacrifício humano e sua metamorfose significa a cólera divina. Também Licaon levou à mesa, onde Zeus era servido, carne humana. Ainda, segundo Pausanias, Licaon sacrificou um filho de Zeus no monte Licaeus. O final é idêntico. O rei se transforma, e para sempre, em lobo.

Daí passou à Roma, e da Cidade dos Césares com seus exércitos conquistadores se difundiu pela Europa, pelo norte da África e Oriente próximo.

Com os nomes de "Versipélio dos Romanos, é o Licantropo dos Gregos, o Volkodlák dos eslavos, o Werwolf dos saxões, o Wahrwolf dos germanos, o Óboroten dos russos, o Hamtammr dos nósdicos, o Loup-garou dos franceses, o Lobisomem da Península Ibérica e da América Central e do Sul, com suas modificações fáceis de Lubiszon, Lobisomem, Lubishome..., é, sempre, a crença na metamorfose humana em lobo, por um castigo divino.

No imaginário medieval europeu, os feiticeiros se transformavam em lobos para comemorarem os sabaths. As feiticeiras, por sua vez, usavam ligas de pele de lobo.

O lobo é um grande carniceiro que devora a matéria e o mundo. Mas este seu simbolismo de destruição e de devoração nos leva à concepção antagônica de renascimento e renovação. Só através da morte é que se renasce para uma nova vida. A planta brota do grão, somente depois que este se decompõe no seio da terra. A morte é portanto, o nascimento do novo.

Este animal também está ligado as trevas, possuindo a fama de ver à noite. Como Senhor das Trevas ele é seu guia e antídoto, pois pela sua devoração, antecipa o retorno da luz. Apresenta ainda, à associação com a "goela", imagem arquetípica e iniciática. O poder de sucção desta região está mitologicamente simbolizado pela sua força que alicia e domina o ser humano, a vida, a pessoa e a consciência, de que ninguém consegue livrar-se. A goela do lobo é a noite, as trevas, a caverna dos Infernos, mas a libertação da goela, é a aurora, a luz iniciática sucedendo à descida aos Infernos.

O sentido iniciático da "goela do lobo", dá a este animal o papel de psicopompo. Na mitologia egípcia, Anúbis tem a forma de um cão selvagem ou lobo. Em Cinópolis, era venerado como deus dos Infernos.

CARACTERÍSTICAS DO LOBISOMEM

Contam as lendas que ser lobisomem é questão de destino, qualquer criança incestuosa, como também o filho de uma comadre com compadre ou padrinho com afilhada, podem vir a ser um. Nos pampas gaúchos, corre a história de que se o sétimo de um casal se deitar em algum lugar que o bicho ocupou, torna-se igual a ele. Há quem diga, que para ser lobisomem, basta ser o sétimo filho (caçula) de um casal ou o oitavo filho homem depois sete filhas mulheres.

Em Santa Catarina, afirma-se que, se nasceram, consecutivamente, numa família, sete filhos varões, o último deve ser chamado Bento, caso contrário vira lobisomem.

Na zona do brejo paraibano descrevem-no como um homem normal que, em certas horas, e em dias determinados e sob determinadas circunstâncias, toma o aspecto de um animal e sai a correr o fado, cumprindo o castigo imposto pela Divina Providência pelo pecado de adultério de compadre com comadre, de devota com padre, dos incestuosos e blasfemos... O povo simples e crédulo, em geral, sente pena deles, por considerá-los, antes de mais nada, pecadores em penitência.

Todo sertanejo sabe que o lobisomem é um sujeito doente, muito pálido e meio avesso ao trabalho, fatigado nos modos e meio misteriosos nos movimentos. Não se alimenta bem, Vive quase do vento, mas não morre facilmente.

COMO SE APRESENTA?

Na mitologia brasileira, o lobisomem apresenta-se como um grande cão negro, possuidor de olhos aterrorizantes vermelhos, com orelhas e unhas enormes. Já foi visto também, lobisomens com características de porco, com o corpo todo coberto de pelos e a cara lupina com grandes caninos projetados para fora da boca.

As formas, portanto, podem variar e em Santa Catarina apresenta-se como um homem de olhos afogueados, pelo eriçado, ventre aberto e sangrando, unhas aguçadas e expele fogo pela boca.

No sertão da Paraíba é um bezerro negro, que ostenta um couro cabeludo de fazer cachos, além de cascos pequenos, olhar fuzilante e dotado de força e agilidade extraordinária. No Rio Grande do Sul apresenta-se como um cão grande. Na forma de porco é assinalado em São Francisco do Sul e em Biguaçu, na orla litorânea catarinense. No entanto, em Caçador, no oeste catarinense, é um horrendo lobisomem-dragão, com cerca de três metros de comprimento, tem dorso de dragão e formidável boca provida de agudíssimos dentes. Pelas ventas dilatadas lança um bafio nauseabundo.

ENCANTAMENTO

O mito em algumas regiões brasileiras mantém uma tradição: sua transformação ocorre sempre sexta-feira, em noite de lua cheia. Ele procura uma encruzilhada, despe-se e joga-se ao chão, rolando na poeira até transformar-se em homem-lobo. Da meia-noite até as duas da manhã, ele visita sete cemitérios, ou sete vales, ou sete outeiros, ou sete encruzilhadas. Como ele precisa de sangue, ao transformar-se, sai à cata de algum leitãozinho, um cachorro ou criança de colo.

Na Paraíba há três versões que nos foram apresentadas. Vejamos a primeira:

"...Se torna preciso encontrar uma encruzilhada, cheia de mariscos de praia, onde se despe, dando vários nós na camisa e no lenço." Deita-se no chão, espojando-se como quadrúpede. Uns dizem que ele engole os mariscos do mar. Outros contestam essa versão. Depois entra a fazer desarticulações com as pernas e braços, encostando a cabeça aos pés, remexendo-se para direita e esquerda, dizendo palavras à toa.

Versão idêntica a essa ocorre no litoral pernambucano. Entretanto, diferente de todas as versões que confrontamos é esta colhida no brejo paraibano:

"...Rebolando-se o aspirante na cama de um animal, ainda quente do corpo deste, cuja forma tomará. É condição imprescindível para a transformação que, no momento, os raios da lua incidam diretamente sobre o homem que estiver deitado na cama de irracional, manifestando-se, de início, pelo crescimento das unhas e cabelos, seguindo da fisionomia com o crescimento dos dentes que dão perfeita semelhança com o animal modelo."

E, por fim, a versão do sertão paraibano:

"Sai de casa à procura de algum recanto de estrada onde se deite. Espoja-se, requebra-se todo, fazendo trejeitos até virar um bezerro negro de longas orelhas."

Em Pernambuco é o mesmo cenário até "encontrar com um lugar onde um cavalo ou um jumento se espojou, espoja-se também, tomando a sua forma."

E, finalmente, na terra alagoana, se completa o "encantamento" quando tira a camisa fora do corpo e dá 7 nós. Esconjura Pai, Mãe, Padrinho, Madrinha, o nome de Deus e de Nossa Senhora.

O DESENCANTAMENTO

O desencantamento se processa de dois modos, segundo a crença geral: naturalmente e por ferimento em luta com o homem. A primeira informação que a esse respeito colhemos foi em Nova Trento, em Santa Catarina, quando nos disseram que, ao final da fase lunar o lobisomem se tornava, novamente, um ente humano normal. Ou, então, "só se desencanta quando o galo desperta no terreiro", veiculam no litoral paraibano e o catarinense.

Colhida em Pernambuco foi a versão que se segue:

"...Ao ouvir o galo cantar, percorre o Lobisomem sete cidades e chegando, de volta já ao lugar de seu encantamento, espoja-se de novo, retorna a sua forma humana".

Quase identicamente, é a versão corrente no brejo paraibano, onde "antes que chegue o dia, o lobisomem regressa ao local do encantamento e novamente se rebola na cama do animal, readquirindo a personalidade humana, regressando calmamente para casa, com a aparência de uma pessoa normal".

Com referência ao Rio Grande do Norte, além de nos dizer como se "desencanta" o lobisomem, nos diz, também como proceder para que o lobisomem não se "desencante" jamais.

Eis a fórmula original:

"Se esconderem a roupa que o lobisomem deixou na encruzilhada ou desfizerem os sete nós, ficará ele todo o resto de sua existência um bicho fantástico. Não há notícia de transformação depois da morte."

O seu destino entretanto, pode ser alterado, se alguém se atrever a fazer-lhe um ferimento com um espinho que o faça sangrar, ou queimando suas roupas abandonadas durante a metamorfose. Para desencantar um lobisomem, também pode-se feri-lo usando uma bala untada com cera de vela acesa durante três missas de domingo ou na Missa do Galo, rezada na meia-noite de Natal. A faca, a foice, uma simples furadela de canivete, desencanta o fado.

Há também uma forma de transmitir este fado: quando um lobisomem já velho, pressente que vai morrer e tem necessidade de passar seu cargo à outrem. Se alguém lhe fizer a simples pergunta: "Tu Queres?", desconfie, pois pode ser um lobisomem tentando lhe passar sua herança.

Existem também os lobisomens-assombrações, que são aqueles que morreram antes do cumprimento de seu fadário. Muito agressivos, apresentam-se na forma de um grande e feroz cão branco. Não se consegue matá-lo, só exorcizá-lo.

O mito lobisomem está muito vivo no Rio Grande do Sul e tem gerado muitas lendas locais, entre elas encontramos a história dos fios vermelhos na boca de um homem que, quando Lobisomem, atacou uma mulher que usava um "viso" de seda.

Em Porto Alegre, os moradores do bairro Cristal, afirmam que lá reside um homem que é Lobisomem. Em Alegrete vive outro. Em Gravataí, um senhor velho garante que teve uma briga feia com um, mas conseguiu feri-lo. Desconfiado de seu vizinho, fez uma visita de surpresa e lá estava o homem, todo retalhado, desculpando-se que se machucara nos espinhos do mato.

O número sete aparece constantemente em suas histórias, o que leva a caracterizar este mito com que Jung chama de Selbest, o lado escuro do inconsciente coletivo. Este lado sombra representa o lado mais reprimido do caráter, a parte que a maioria das pessoas prefere não encarar, pois é o lado do inconsciente monstruoso.

Em inúmeros arquivos pelo mundo, encontram-se registradas centenas histórias de homens que transformavam-se em lobisomens. Esta estranha metamorfose, de acordo com pareceres psiquiátricos, trata-se de uma idéia insana de pessoas enfermas, que acreditam serem lobos e correm uivando pelos campos. É considerado, portanto, um sério desvio de personalidade, do tipo alucinatório. Os indivíduos que sofrem deste mal são chamados de licantropos. Ao que parece, a licantropia é uma patologia tão antiga quanto o homem e possui um perfil físico característico: sobrancelhas espessas, o dedo médio comprido, unhas longas e avermelhadas, orelhas situadas muito atrás, tem os olhos secos, nunca chora, pele áspera é mal tratada com tonalidade amarelada ou esverdeada e apresentando abundância de pelos e muita sede.

Além das características físicas, também encontramos tipos de conduta muito particulares: são amantes da noite e admiradores da solidão e estão sempre acometidos de profunda melancolia. O licantropo sai à noite para caçar, uivando como lobo, tirando os ossos dos túmulos e amedrontando todos os que com ele se deparam.

No Nordeste "os doentes de amarelão", "empambados", "come-longes", extenuados pela anemia, se transformariam em lobisomens, nas noites de quinta para sexta-feira, segundo a crença popular. Há entretanto, um fundo de verdade nessa crendice. A ancilostomíase, acarretando distúrbios cenestésicos, pode provocar em débeis e predispostos mentais sintomas de alucinação da cenestesia, podendo levar até aos fenômenos de transformação de personalidade.

Existe também a hipertricose, uma patologia que provoca hirsutismo em homens e mulheres e já acometeu personagens ilustres. É o caso de Petrus Gonsalvus (figura abaixo), um poderoso comerciante e armador português do século XVII, que instalou importantes empresas no Brasil.

Segundo explicações médicas, a hipertricose tem origem genética, porém, em alguns casos, pode apresentar-se de forma patológica, vinculada a uma alteração nas glândulas supra-renais, que provoca o crescimento anormal dos pêlos do corpo.

Entretanto, nenhuma explicação científica conseguiu afastar a crença do medo, como ocorre há séculos, do aspecto mágico da licantropia. Os casos de indivíduos que acreditam ser lobisomens e atuam como tais, continuam a engrossar os arquivos policiais e, paralelamente, enriquecendo o folclore popular.

O lobisomem brasileiro é uma concepção onde intervêm velhas crenças européias acrescidas de crenças totêmicas e míticas, de origem ameríndia e africana.

O MEDO DE ALGUNS ANIMAIS

Algumas vezes o medo de certos animais é irrazoável e intimamente ligado à repulsão. É o caso de ratos e aranhas que atemorizam muitas pessoas. Mas tal medo, não é por causa do perigo, mas sim pela repulsão violenta que se tem deles.

Nos séculos precedentes acreditava-se na possibilidade da metamorfose física em animal e essa crença persiste até nossos dias. Se ela é tão forte, é por que evoca um passado distante, enterrado em nosso espírito: o da animalidade humana, que, por causa desse temor visceral, torna-se bestialidade.

O lobisomem é o melhor dos exemplos. Se aterroriza, porque evoca uma ferocidade arcaica e a perda da personalidade. A transformação em animal destaca a animalidade que o ser humano rejeita com toda a força. Essa obsessão foi ampliada pelo cristianismo que prega a impureza de certos animais.

Metamorfosear-se em animal, seria pois, não só perder a personalidade humana, mas também voltar a uma natureza primitiva pretensamente inconciliável com a natureza humana evoluída ou suposta como tal. Entretanto, se pensarmos melhor, a bestialidade temida na transformação animal não é do animal, mas do próprio homem, porque essa bestialidade, que se exprime muitas vezes pela violência e pelo sangue, é a monstruosidade humana reprimida no mais profundo do subconsciente.

sábado, 16 de fevereiro de 2008

LENDA DAS BRUXAS

LENDA DAS BRUXAS

Quando de um casal nascem sete filhas; sem nasça nenhum menino entre o espaço, a primeira ou a última será, fatalmente, uma bruxa. Para que isso não venha a acontecer é necessário que a irmã mais velha seja a madrinha de batismo da mais moça. São apontadas, como tal, certas mulheres magras, feias, antipáticas.

Dizem que têm pacto com o demônio, lançam maus-olhados, acarretam enfermidades com os seus bruxedos etc. Costumam transformar-se em mariposas e penetram nas casas pelo buraco da fechadura. Tem por hábito chupar o sangue das crianças ou mesmo de pessoas adultas, fazendo-as adormecer profundamente. A marca do chupão deixado na pele, chama o vulgo de "melancolia".

Antigamente, quando um recém-nascido começava a emagrecer e definhar até a morte, principalmente os que ainda não haviam sido batizados, acreditava-se em "doença da bruxa". Para que as crianças não batizadas não sejam atacadas pelas bruxas, deve-se conservar luz acesa no quarto.

Os pais, ao colocarem o caixão da criança atravessado na porta da casa, a primeira mulher que aparecesse seria a bruxa, vindo mais uma vez buscar a vida de uma criança, para assim manter-se eternamente jovem.

Era costume também, proteger as crianças dando-lhes remédios à base de alho e colocando tesouras abertas embaixo dos seus travesseiros. A criança atacada por uma bruxa ingere carvão, cal de parede, terra e outras substâncias estranhas.

As bruxas realmente existem, garante a sabedoria popular. Sabe-se que uma mulher é bruxa, quando dá a apertar a mão canhota (esquerda). Há ainda, outro processo de identificar uma bruxa: vira-se a lingüeta da fechadura de uma canastra. A bruxa, ao entrar em casa, a primeira coisa que faz é pedir para endireitar-se a lingüeta.

Existe, também, uma oração contra elas; quem as possui consegue descobri-la e prendê-la e também não adormece quando ela a noite penetra em casa. A pessoa assim presumida toma para prendê-la, de um tacho ou uma medida de alqueire, e logo que a bruxa entra em casa, emborca o tacho ou a medida e ela fica incapaz de sair.

As lendas de bruxas, "lobisomens" e outros seres que habitam a fértil imaginação dos populares formam um capítulo a parte. Muitos juram, de pés juntos, que as bruxas andam as soltas nas belas noites de luar, fazendo seus rituais bruxólicos e espalhando no ar toda a magia de suas fascinantes feitiçarias.

Depoimento
Manoel Agostinho – Barra da Lagoa

"... A mulher feiticeira aprende uma com a outra.
Mas a bruxa já nasce bruxa. A bruxa não sabe que é bruxa.
A bruxa, se morre, se salva, porque ela é bruxa e não sabe.
Os outros é que desconfiam.
De onde vem o olho ruim?
Se estão numa casa fechada, elas aí dizem:
“Tiritititirititá, por debaixo do telhado e por cima do silvado”.
Quer dizer, por debaixo da telha e por cima da ripa.
E elas aí saem, ou como beija-flor, uma mariposa...
Qualquer coisa.
Se você desconfia de uma senhora que esteve na sua casa e
fica embromando, e tem criança doente, magrinha, essa mulher é bruxa."

A BRUXA BRASILEIRA

A Bruxa encontrada no imaginário popular de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul é imigrante de Portugal e possui características de um vampiro que chupa o sangue das crianças recém-nascidas para obter a eternidade.

O medo dos vampiros principalmente entre as populações do Leste europeu e do Oriente Médio é muito antigo. Esse fenômeno sempre foi tomado muito a sério. O próprio Rousseau escreveu:

"Se já houve no mundo uma história garantida e provada é a dos vampiros; nada falta: relatórios oficiais, testemunhos de pessoas qualificadas, de cirurgiões, de sacerdotes, de juízes; a evidência é completa".

Mas a Bruxa sobrenatural, caracterizada por uma mulher velha e feia que pratica bruxaria, é considerada a última sombra de uma Deusa primitiva da natureza, conhecida pelos nomes de Cailleach Bheur, Black Annis ou Gentle Annie, todas originárias da cultura celta. As inúmeras bruxas que habitam as Ilhas Britânicas personificam o inverno. Algumas, de igual modo que o inverno, se convertem em primavera, passando a serem belas e jovens donzelas. Outras como Black Annis são canibais.

Black Annis era uma feiticeira de rosto lívido e garras de ferro que vivia em uma cova em Leicestershire. A entrada para a sua cova encontrava-se entre as raízes de um grande carvalho no qual, se dizia, que a bruxa se escondia para saltar sobre crianças e cordeiros perdidos e devorá-los. Daí que surgiram as bruxas americanas que do mesmo modo ameaçam devorar as criançinhas, como é o caso da Cuca, criada à imagem e semelhança de Black Annis.

Hoje, a Bruxa já não assusta tanto, pois deixou de ser páreo para a grande violência que ameaça as cidades. Já existe tanto sangue derramado, tanta bala perdida, que até as lendárias bruxas têm medo de sair à noite e serem vitimas da própria sorte!

ARQUÉTIPO DA BRUXA

Todas nós mulheres temos o nosso lado bruxa, ou seja, os aspectos "inferiores" do feminino. Quando a confiança básica é baixa e a desvalorização do feminino é elevada, então toda a mulher tende a sentir-se identificada com os poderes negativos e inferiores da bruxa, da feiticeira ou da Mãe Terrível.

A bruxa se apodera de nós quando nos sentimos sobrecarregadas e desvalorizadas, magoadas e incompreendidas. Gradualmente, convertemos nossa mágoa em ressentimento, distância, frieza e desesperadora resignação. Como a bruxa, vamos morar na "floresta" e não nos sentimos como membros legitimos ou dignos de nossas famílias. Embora a floresta seja o lugar apropriado para a bruxa, nenhuma pessoa comum quer viver lá sozinha. Assim, o isolamento solitário da bruxa se torna um grande fardo.

Igualmente, nossa preocupação cultural com a esbelteza das mulheres é um sintoma de nossos problemas coletivos com o complexo de bruxa. Hoje há um número crescente de adolescentes que se preocupam em demasia com o excesso de peso. Tenha ou não um peso excessivo, a adolescente se "sente" gorda e condena-se por seu peso.

Toda a mulher-bruxa, em geral, condena seu corpo ao isolamento e será com muita relutância que se "abandonará" a encontros íntimos sem alimentar uma perturbadora ansiedade sobre sua desagradável aparência.

É importante saber identificar a atividade desse arquétipo para então procurar a ajuda de um terapeuta e voltar a ter uma vida normal e saudável.

Texto pesquisado e desenvolvido por

DAXAS

A MOÇA QUE DANÇOU DEPOIS DE MORTA
Esta lenda é muito popular em Porto Alegre.
Conta-se que um rapaz foi a um baile, no bairro Glória, numa noite de sábado.
Lá conheceu uma moça muito bonita, mas triste...e sozinha, o que era coisa incomum, para a época. Intrigado, convidou a moça para dançar. Perguntou-lhe então a razão de tanta tristeza, mas a moça de poucas palavras, não deu nenhuma explicação plausível. Para não a incomodar mais, desistiu do interrogatório.
Dançou com ela o que deu, até que "a meia-noite" ela disse que precisaria voltar para casa. O moço, nesse momento, até pensou estar vivenciando um flerte com uma real Cinderela, pois essa também precisava sumir nesse preciso momento.
Ofuscado com sua beleza e admirado com seu comportamento, o moço decidiu acompanhá-la, até por que era muito perigoso uma moça sozinha tão tarde andar pelas ruas.
Ao saírem, o ar da noite à fez estremecer e abraçou o jovem arrepiada. Então o rapaz, muito educado, ofereceu-lhe a capa, na qual ela se enrolou agradecida.
Os dois atravessaram o morro da Glória, onde fica o cemitério e desceram um pouco a lomba, como quem vai para o centro. Diante de uma casa a moça parou e disse:
- "Eu moro aqui." Quis devolver, então a capa, mas o rapaz não aceitou, pensando em uma desculpa para ver a moça ao meio-dia de domingo...
Ela sorriu, mas nada falou, entrando na casa.
No domingo, como havia combinado, perto do meio-dia, o moço voltou "a casa, teoricamente para reaver a capa, mas na realidade esperando um convite para almoçar e, quem sabe, iniciar um romance. Foi então recebido por um homem maduro e muito triste. Só neste momento então, o rapaz percebeu que não havia perguntado o nome da moça, na noite anterior. Daí só lhe restava perguntar:
- "O senhor é o pai da moça que mora aqui?"
- "Aqui não mora moça nenhuma". Disse o homem triste.
- "Mora sim. Eu vim com ela ontem de um baile e entrou aqui dizendo ser sua casa. Emprestei minha capa para ela, porque estava frio e fiquei de vir buscar hoje...."
- "É engano seu, deve ter sido em outra casa.." Contestou o velho.
E, ao abrir um pouco mais a porta, o rapaz pode olhar para dentro e viu o retrato da moça na parede. Alegrou-se, apontando:
- "Olhe, lá está ela, é aquela do retrato!"
-"Aquela é minha filha, que morreu faz um ano!"
O rapaz ficou surpreso e sem saber em que acreditar. Era tão sincera sua surpresa, que o velho se ofereceu para levá-lo ao túmulo da filha, no cemitério mais acima.
Foram...e lá estava mesmo o túmulo da moça, com seu retrato e em cima do túmulo, a capa do rapaz...


BOTO, DON JUAN DO AMAZONAS

Na mitologia amazônica encontramos o mito do "Boto Rosa" que possui a qualidade de emergir das águas do Rio Amazonas à noite e adquirir forma humana. De peixe, transforma-se em um rapaz cuja beleza, fala meiga e sedutora, magnetismo do olhar atraem irresistivelmente todas as mulheres. Por isso, toda a donzela era alertada por suas mães para tomarem cuidado com flertes que recebiam de belos rapazes em bailes ou festas. Por detrás deles poderia estar a figura do Boto, um conquistador de corações, que pode engravidá-las e abandoná-las. Ele também, inseri-se na comunidade, perseguindo as moças, surpreendendo-as na roça, nos banhos, onde quer que estejam e acabam a maioria das vezes, por lhe atribuir o primeiro filho.

Seduzidas, as mulheres mantém encontros furtivos com esta entidade, que ao amanhecer retorna ao fundo dos rios, onde reside.

Algumas testemunhas afirmam que ele sempre se apresenta muito bem vestido, usando um chapéu para ocultar um orifício para respiração que originalmente o animal possui no alto da cabeça. Freqüenta bailes, dançam, namoram, conversam e antes da alvorada, pulam para água e volta à sua condição primitiva, ou seja, torna-se boto.

Conta-se, que certa ocasião, havia uma tapuia que vivia só em sua palhoça e que de repente começou a emagrecer e entristecer sem aparentar moléstia alguma. Desconfiados que fosse obra do Boto, os homens da tribo fizeram-lhe uma emboscada.

À noite viram chegar ao porto um branco que não era do lugar e dirigiu-se para a choupana. Acompanharam-no e quando ele entrou, de mansinho abriram a palha da parede e viram-no querer deitar-se na mesma rede da tapuia. Então, um tiro o prostrou e arrastando-o para a barranca do rio, confirmaram suas suspeitas, tal homem era realmente o Boto. A autoridade local não fez corpo de delito, pois matar um boto não é crime previsto em lei.

Raul Bopp, um poeta profundamente brasileiro, no "Cobra Norato", refere-se assim, graciosamente, a um caso do Boto:

"- Joaninha Vintem: Conte um causo...

- Causo que?

-Qualquerum.

Vou contar causo de boto:

Amor chovi-á

Chuveriscou

Tava lavando a roupa Maninha

Quando o boto me pegou.

-Ó Joaninha Vintem

Boto era feio ou não?

- Aí, era um moço novo Maninha,

tocador de violão...

Me pegou pela cintura...

- Depois que aconteceu?...

Xentes!

Olha a tapioca embolando no tacho!

- Mas que boto safado!

Nos conta a poesia, que a pobre cunhã-poranga (moça bonita), por não ter a sorte de possuir um muiraquitã protetor, não conseguiu livrar-se das malhas de sedução do boto.

Nas noites de luar do Amazonas, afirmam alguns, que os lagos se iluminam e pode-se ouvir as cantigas de festas e danças onde o Boto, ou também chamado de Uiara, participa.

Sedutor e fecundador, conta-se que o boto sente o odor feminino a grandes distâncias, virando as canoas em viajam as mulheres. Isso ocorre sempre a noite, e para evitar o boto, deve-se esfregar alho na canoa, nos portos e nos lugares que ele goste de parar.

As primeiras alusões à lenda apareceram em meados do século XIX, inicialmente referentes a sua transformação em uma bela mulher que atraia os moços ao rio, afogando-os, e pouco depois, aparece como o homem-boto nas cercanias do rio.

Sobrexistindo hermafrodita, o mito termina pela fixação morfológica dicotômica em Boto e Mãe D'Água, o cetáceo, restringindo-se às mulheres e a Iara, aos homens.

A inexistência, no Brasil, nos séculos XVI, XVII e XVIII, de entidades com os atributos do boto, faz supor que a lenda seja de origem branca e mestiça, com projeção nas malocas indígenas e ribeirinhas.

O Boto é portanto, o Dom Juan da planície Amazônica. Seu prestígio, longe de diminuir com as dissipações do tempo, ganha novos florões com os casos que todo dia lhe aumentam o lendário e a fé do ofício. O papel que lhe atribuem não difere muito das proezas que assinalaram a famosa personagem de "Tirso de Molina". O asqueroso mamífero misciforme, com aqueles seus dois a três metros de comprimento, com aquele focinho pontiagudo e encabelado, passa por ser um herói mais atrevido, em matéria de amor, de que os tipos de Merimée.

O Boto é hoje um animal em extinção e grande culpa disso é por que o homem lhe conferiu poderes mágicos. Muitos pescadores os capturam para corta-lhes o pênis com a finalidade de fazer um amuleto de "conquista varonil" ou para combater a impotência sexual. Suas nadadeiras também são utilizadas na fabricação de remédios. Seus olhos são usados como atrair as mulheres. Os pajés costumavam realizar rituais para preparar os olhos do animal a ser entregues e usados pelos necessitados.

A crença neste mito está disseminada pela população ribeirinha do Rio Amazonas. O Boto representa o "animus"das mulheres, que faz inter-relação entre o consciente e o inconsciente. O inconsciente masculino é feminino e regido pelo "anima". O "animus" é a figura masculina arquetípica que reflete o princípio masculino nas mulheres. O Boto é este "animus arquetípico" representando tanto o inconsciente individual quanto o coletivo. Sua grande beleza e poder de sedução são explicados, quando entendemos que ele não é um homem e sim a imagem que as mulheres fazem do homem.

SIMBOLISMO

O Boto é símbolo de sedução e energia vital.

Todos os animais aquáticos simbolizam o psiquismo, esse mundo interior e tenebroso através do qual se faz conexão com Deus ou com o Diabo.

De natureza ambígua estes seres se ligam aos rios e oceanos, lugar de todas as fascinações e de todos os terrores, imagem da mãe e da deusa-mãe primitiva em seu aspecto generoso e criador e, ao mesmo tempo, terrível. Mares, rios, são lugares selvagens e inumanos, onde a lógica nunca prevalece. É por isso que todos os mitos e divindades marinhas conservarão sempre um caráter arcaico. Saindo dessa água enigmática, os peixes tornam-se eco deste terror antepassado, que roça o desconhecid