domingo, 17 de fevereiro de 2008

MATINTAPERERA, A FEITICEIRA AMAZÔNICA

Waldemar Henrique ilustrou musicalmente os versos em que o poeta Antônio Tavernard nos conta a ingênua lenda:

"Matintaperera

Chegou na clareira

E logo silvou,

No fundo do quarto,

Manduca Torcato

De medo gelou

Matinta quer fumo

quer fumo migado,

meloso, melado,

que dê muito sumo...

Torcato não pita,

não masca nem cheira.

Matintaperera

vai tê-la bonita...

Matintaperera, detardinha vem buscar

o tabaco que ontem à noite eu prometi,

queira Deus ela não venha me agoniar,

Ah! Matinta, preta velha, mãe-maluca, pé de pato.

queira Deus ela não venha me agoirar......

Matintaperera

chegou na clareira

e logo silvou.

No fundo do quarto

Manduca Torcato

de medo gelou.

Que noite infernal,

soaram gemidos,

resmungos, bulidos,

do gênio do mal....

E, até amanhã,

bem perto da choça

a fúnebre troça

dum vesgo acauã

acauã....

acauã...."

Existem pessoas para quem a noite se revela como um cenário de mistérios singulares e ideal para por em prática seus pensamentos. A noite é trocada pelo dia, com todo o fascínio e o terror que pode provocar.

Neste cenário noturno aparece Matintaperera.

Matintaperera é a designação dada a uma pequena coruja, que goza, entre os nativos, da faculdade de transformar-se em gente e pintar o sete, brincando, ralhando, castigando os meninos vadios e mal-criados. Pertencente a família dos gnomos e duendes, rouba objetos das casas ou os muda de posição e bate nas crianças.

No interior e até mesmo na capital do Amazonas e Pará, a gurizada acredita que a ave ronda as casas na calada da noite, afim de roubar os meninos travessos ou fazer estripolias. Oferece-se-lhe então, grande quantidade de tabaco, convidando-a a aceitá-lo:

- Matintaperera, podes vir buscar a encomendazinha.

Mau destino está reservado à pessoa que, pela manhã seguinte é a primeira a entrar na casa em que se faz semelhante convite. Fica encaiporada para o resto da vida, é como se virasse Matinta. Em toda a Amazônia é tida como encarnação de alma penada ou metamorfose de velha malvada a exigir tabaco para o seu cachimbo.

Só pode ser vista, entretanto, por quem cobrir as mãos com um pano preto, pois as unhas humanas são como fogo para ela. Quem quiser vê-la sem ficar assombrado, deve se aproximar da casa onde esta mora, recitar uma oração e dar uma volta na chave. Na manhã seguinte é encontrada sentada à porta, com forma humana.

Existe uma maldição lançada por um pajé da tribo dos Waimiri Atroari. Depois que sua tribo ter sido dizimada pelos brancos, ainda moribundo, o pajé anunciou que todos os que haviam participado do massacre do seu povo, estariam fadados a perambular eternamente pela floresta sob a forma de uma velha ou um pássaro que todas as noites gritava:

Matintaperera, Matintaperera!

Nas noites de sexta-feira é maior o temor que inspira.

Fala-se que a tal criatura chegou a matar vários seres humanos.

A Matintaperera pode transformar-se em vários animais como porcos, morcegos e aves e é vista como uma perigosa feiticeira. Segundo a voz do povo, é uma bruxa velha que quando moça cometeu grandes pecados e por isso fica cumprindo o seu fadário. Os fadista são tidos como pessoas que fizeram pacto com o demônio em troca de algum tipo de vantagem e acabaram punidos com um fado como o de se transformarem em animais, durante a noite.

Uma outra versão, nos conta que Matinta é uma velha vestida com uma longa saia negra, que vira carambolas com uma lamparina acesa na cabeça. A chama dessa lamparina se mantém acesa até a velha se transforme em duende. Assombra as pessoas, dando-lhes violentas dores de cabeça ou em todo o corpo. Quando ela está rondando a casa, quem quiser prendê-la, deve espetar uma agulha virgem em um cinto de couro e proferir pequenas orações. A Matinta se prende por ela mesma.

Há outras fórmulas mágicas que permitem "prender" a Matinta Perera. Um deles exige uma tesoura virgem, uma chave e um terço. Cerca de meia noite deve-se abrir a tesoura, enterrar na área, colocar no meio a chave e por cima o terço, após o que rezam-se orações especiais.

A Matintaperera ficará presa ao local, não conseguindo afastar-se...

Uma forma de espantar a entidade é a de tirar o capuz ou barrete encantado do Matintaperera.

Os tupinambás atribuíam a função de mensageiro das coisas da outra vida, aquele que vinha dar notícias dos parentes mortos e davam-lhe, por isso, o nome de Matintaperera. Porém, passou posteriormente aos direitos de certos pajés e feiticeiros transformarem-se em Matinta e, pela madrugada retornar à forma anterior.

Todas estas crendices foram herdadas das superstições indígenas e chegaram até nós pelo veículo dos pajés e curandeiros, interessados em arranjar sempre maior número de motivos para suas artes misteriosas.

Matintaperera associa-se à face da Deusa-Anciã.

OS PÁSSAROS DA NOITE

No mundo inteiro, os pássaros da noite foram associados à almas penadas e fantasmas que aproveitando-se das sombras noturnas voltam para gemer perto das casas onde moraram.

A coruja, em especial, era considerada um pássaro de mau-agouro e seu repetitivo grito pressagiava morte vindoura na vizinhança. No Altaí, o traje xamã (sempre ornitomorfo) é freqüentemente ornado com penas de grão-duque. Segundo Harva, o conjunto do traje, como era antigamente, devia representar um grão-duque. Esse pássaro noturno, na crença popular do Altaí, afasta os espíritos.

Uno Harva escreve:

"Em muitos lugares, quando as crianças estão doentes, é costume ainda hoje, capturar um grão-duque e dar-lhe comida, pensando-se que esse pássaro afastará os maus espíritos que assediam os berços. Entre os iogulos, nas festas do urso, uma pessoa disfarçada de grão-duque é encarregada de manter a distância a alma do urso morto".

Entre os astecas, a coruja era, como a aranha, o animal símbolo do deus dos Infernos. Vários códices representam-na como "guardiã da casa escura da terra". Associada às forças ctônicas, é também um avatar da noite, da chuva e das tempestades. É associada ainda à morte e às "forças do inconsciente luni-terrestre que comandas as águas, a vegetação e o crescimento em geral."

Ainda hoje, para as etnias indo-americanas, a coruja é uma divindade da morte e guardiã dos cemitérios.

Nenhum comentário: